quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Mulher Champagne






O que queres, me perguntas assim de chofre
enquanto me esforço como posso
com um  tosco saca rolhas
tento abrir o vinho para a refeição.
E do acído em que transformas o jantar
em mais um momento tenso e sem tesão
extraio de imediato, certeza e inspiração:.
Eu? Eu quero uma mulher champagne,
Generosa, vibrante, oferecida
ávida por expulsar a rolha
que a tolhe em seu mergulho para a vida
Borbulhante, fresca e refrescante
Como os bons vinhos frisantes:  
frutados, não muito alcoólicos
e sem maiores pretensões.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

hiância

noite de lua cheia no céu
eu lobisomem,  jejuo palavras
e lanço uivos densos e enigmáticos
a quem possa se interessar.
sigo os rastros mais ancestrais 
do meu desejo quando criança 
muito pequena, mal aprendera a andar.
neles persigo, como quimera
por quilômetros a fio, na estrada,
sem me saber perdido
o barulho da moto  do meu tio 
que não me levou para passear.
eu que queria tanto, tanto, tanto...
deixo-me ir por aquele caminho
e por aquele som do motor 
que já não escuto mais.
sigo com a certeza  de que, ao fim dele,
um prazer imenso,  me espera, sem igual...
no coração infantil, não existem duvidas
os meus passos miúdos e perseverantes
vão por caminhos que hão de alcançar
o pote de ouro que o arco-iris 
reserva para quem nele acreditar.
amanhã, com ânimo, pego a estrada 
e vou em busca de ti, companheira
tu que tão distante de mim estás. 
distante mas não o bastante 
para que eu desista de te procurar.
hoje é noite de lua cheia
e os meus uivos lancinantes, 
a quem possa se interessar,
uivam por ti, como um dia uivei 
pela moto do meu tio
pelo  gosto de caminhar
pela possibilidade de encontrar.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

o segredo de sherazade



havia um sultão glutão
devorador de mulheres
as matava ao fim do festim
uma noite de carne, vinho e jasmim
e a condenada já tinha um fim.
Dizem em seu beneficio
que ele nem sempre fora assim
uma vez amara por demais
deusa linda e traiçoeira
não mereceu a traidora
a dedicação do mandarim
o amor que ele dispunha
transmutou-se em puro sal
nunca mais, jurou para si,
fera ferida, tornou-se mal,
terei dó ou piedade
por quem não teve dó de mim!
Pagarão as justas pela pecadora
agora há que ser assim
o bicho mulher em geral
ficou marcado de morte
uma noite e nada mais
diversão a toda sorte
o coração não se arrisca
do gosto, gostar indevido
um monstro se cultivou
pelo medo de ser  magoado
magoador-mor  se tornou.
a anônima Sherezade
dessa história ficou ciente
dizem alguns, se condoeu
da triste sorte do rei meliante
outros que a fonte era  vingança
de uma amiga devorada
pelo bruto em sua festança
 o movel não se sabe ao certo
exceto das suas virtudes
de além de linda, ser paciente
 tramando em trama urdida
ao bruto se fez oferecida
não temia a dor nem a morte
jogou na sorte com a propria vida.
conduzida ao palacio, desafio
face a face com o devorador,
sentiu que a beleza sua 
o apetite lhe aguçava
mas lhe fez interessar
por uma história que contava
com suspense que dava gosto
e pôs o ponto de amarração
quando o sol já quase brilhava
e sem se  fazer-se brava
disse que mais não contava
aceitava que já era hora da execução
o rei enrolado em seu novelo
entre a promessa a si mesmo feita
e curioso pela história e seu fim
nova noite concedeu,
mas ja foi lhe avisando
uma mais e nada mais
pois com ele , era assim!
com  beleza e esperteza,
a moça não se fez de rogada
disse que lhe contaria o conto
até o fim da madrugada
uma noite e outra mais
sempre a mesma estratagema
as histórias que fiava
uma na outra entremeava
e o sol por testemunha
sempre que ele nascia
ainda tinha história não contada.
noites e noites de fala doce

dizem que mil e uma atravessadas
em tão bom entretenimento
que o rei ja nem se lembrava
do seu torpe juramento
apanhou gosto pela donzela

se nutriu com a formosura

em paixão foi se enredando
e foi como numa travessura
em tal grau de afeição
nada mais ja lhe restava
ao mal fadado decreto
decretou revogação
e pra moça tão esperta
declarou sua paixão.
de histórias que nunca acabam
em tramas bem emendadas
sherazade fez escola
com a sua sabedoria
toda noite quando lhe ouço
as conversas sobre o seu dia
imagino no amanhã 
o que mais me contaria
mais uma noie e mais um dia
e nesse ritmo tão tranquilo
coração meu  de tão fechado
vai se abrindo aos pouquinhos
e vira amor a simpatía.



















 


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Desencontro telurico



Eu sonhei que virias, quando eu menos esperasse
e que, de longe, nem de longe, desta parte,
fosses tão pouco parecida, com alguém,
que eu pudesse imaginar que eras tu,
nem ao menos que eu soubesse 
do tanto que serias para mim tão bem-vinda!
E  por assim sê-la, estranha, em  tua chegada,
tu não me enganarias, querida inesperada
e que, só por isso, eu a reconheceria como tal.

Eu sonhei que seria assim:
que falaríamos de tudo
e não teríamos segredo...
Que riríamos sem medo
de todas as assombrações...

Eu sonhei com prosas intermináveis.
Com um gosto tão grande de estar por perto
que a saudade até se tornasse um estado normal
que cada momento, marcado pelo inexplicável
e pelo mágico  do instante cúmplice,
trouxesse todo o bem e afastasse todo o mal.

Afinal chegaste, te tenho diante de mim.
Surpreso, percebo, que não me reconheces
assim como  de pronto reconheço a ti.
Me olhas,  algo desconfiada,
dialogas com as tagarelices do teu coração.
Sentes sem saber dizer, dizes sem saber sentir.
Sabes que já estiveste em sonhos,
sonhos que não eram os teus
mas que neles te sentias tão feliz,
como quem tivesse estado
naqueles que foram os meus.

Quem acordou e quem ainda dorme,
quem ainda sonha e quem em vigília espera
oh, minha senhora inesperada, já me colocas em apuros
assim, em tua tão breve estada:
como é que eu poderia, com tão  pouca poesia
a ti,  fazer sonhar e manter-te acordada?